Perigo on-line
Plataforma de comunicação usada por adolescentes se tornou também um espaço para discursos de ódio, chantagem, exploração sexual, tortura, maus-tratos de animais e outros tipos de violência
A frase “os tempos mudaram” é muito usada para justificar comportamentos, hábitos e ocorrência de várias situações antes inimagináveis. Hoje, a tecnologia é uma das grandes responsáveis pelas rápidas modificações no mundo, mas as consequências delas nem sempre são boas.
Os crimes, por exemplo, ganharam diversificação com a internet. Mesmo que estejam acostumados ao ambiente digital, os adolescentes também são alvo dos criminosos. Em geral, os delitos contra esse público acontecem em plataformas aparentemente inofensivas e criadas para outros fins, a exemplo do Discord.
Já ouviu falar dele?
O Discord é uma plataforma de comunicação que permite troca de textos e chamadas de vídeo ou áudio, individuais ou em grupos, além da criação de comunidades públicas ou privadas sobre temas específicos e para transmissões on-line. O espaço, a princípio criado para estudos, jogos e artes, se popularizou e passou a ser usado como ponte entre os adolescentes e os criminosos.
O submundo DIGITAL
O esquema criminoso que funcionava no Discord se tornou público depois que uma reportagem revelou que adolescentes eram atraídos, chantageados e violentados por meio da plataforma. O delegado Anderson Honorato, do Departamento Estadual de Investigações Criminais de São Paulo, diz que os atos ilícitos mais comuns nas denúncias são apologia ao nazismo, pedofilia (aquisição e distribuição de material pornográfico envolvendo crianças e adolescentes), injúria racial, além de apologia a atos violentos, como ataques a escolas e automutilação.
“Não há uma estimativa precisa quanto à quantidade de crimes, vítimas e criminosos que utilizam tais plataformas. A Polícia Civil trabalha no intuito de identificar e investigar tais casos assim que as denúncias são trazidas ao nosso conhecimento”, afirma Honorato. As vítimas têm idade entre 12 e 16 anos; já os autores dos crimes têm entre 19 e 22 anos. Mais de dez pessoas já foram presas ou apreendidas pela Operação Dark Room, ação realizada desde março pela Polícia Federal com a Polícia Civil de vários Estados.
Recentemente, o Discord atualizou as políticas de privacidade e segurança. Em nota no portal da plataforma, Clint Smith, diretor jurídico e supervisor das equipes de lei e política, confiança e segurança e segurança corporativa, assinalou que as alterações estão norteadas em quatro princípios: os usuários são prioridade, transparência, colaboração e humildade.
“Trabalhamos muito para desenvolver e implementar soluções que priorizam a privacidade e a segurança. Com essas alterações, pretendemos avançar nesse sentido, pois vamos possibilitar que cada usuário personalize a própria experiência e que os administradores dos servidores [grupos] foquem mais em suas comunidades e as desenvolvam com segurança”.
Para Honorato, a plataforma, assim como outras equivalentes, é usada para a prática de tais crimes justamente pela pouca ou quase inexistente supervisão de seus criadores. O caso do Discord reacende o debate sobre como se manter seguro enquanto se desfruta da tecnologia.
O portal Internet Segura orienta crianças e adolescentes a protegerem a privacidade, mantendo perfil privado nas redes sociais; terem cuidado com desafios e não colocarem a própria saúde nem a de outras pessoas em risco; não fornecerem dados pessoais; e pedirem ajuda sempre que alguém as estiver incomodando.
Como ajudar?
Apesar dos cuidados, é necessário que os pais e responsáveis fiquem atentos, não apenas a que os adolescentes acessam, mas também aos sinais de que eles podem não estar mais seguros no ambiente virtual. A psicóloga e CEO da PsicoPass, Rosângela Casseano, lista alguns sinais: “há um afastamento da família, eles passam mais tempo no quarto com a porta fechada, mais calados e alguns podem apresentar sinais de distúrbios alimentares, como compulsão ou anorexia. Eles tendem a usar roupas mais fechadas, mesmo em dias quentes, numa tentativa inconsciente de se esconder. Além, claro, de poderem iniciar um processo de tristeza, que pode gerar uma depressão ou aumento de irritabilidade e transtornos de ansiedade”.
Ao identificar tais sinais ou suspeitar de algo, os responsáveis precisam agir com cautela, sem julgamento ou confronto, para não afastar o adolescente. Rosângela reforça que o melhor caminho é escutar, acolher e oferecer apoio. Caso a suspeita de crime se confirme, é importante denunciar o delito e tomar medidas para
proteger o jovem.
O delegado Honorato destaca que, no ato da denúncia, as vítimas devem estar acompanhadas de seus representantes legais: “é importante que as vítimas armazenem todo tipo de conversa que tenham com os autores, áudios, vídeos e mensagens trocadas por qualquer plataforma”.
A Procuradoria-Geral de Justiça disponibilizou um canal para que as vítimas denunciem os crimes cometidos por meio virtual e eletrônico ao Ministério Público de São Paulo (MPSP): o e-mail nai.intolerancia@mpsp.mp.br.