Por que eu preciso perdoar?

Tomar essa atitude não é fácil, mas pode trazer os benefícios e a transformação que você tanto espera para a sua vida

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Estava tudo certo para a auxiliar administrativo Bárbara Vicente (foto ao lado), de 23 anos, se mudar para a Espanha com a família. Mas um imprevisto mudou tudo. Por causa de uma complicação na cirurgia de seu irmão, ela teve que ficar com o pai para ajudá-lo enquanto a família seguiu viagem.

O combinado era que Bárbara ficaria na casa da avó apenas alguns dias. Contudo, esse tempo se transformou em dois anos. E o período foi suficiente para que a jovem sofresse diversos maus-tratos. “Sofri muita humilhação. Eu dormia no sofá, acordava com baratas no corpo e minha avó só reclamava de mim. Só que eu não tinha para onde ir. Nesse período alimentei muita mágoa de toda a família”, recorda.

Quando conseguiu seguir com sua vida, ela percebeu que a mágoa estava lhe fazendo muito mal. “Havia me tornado uma pessoa fria e arrogante. E percebi que precisava perdoar. Então, chamei minha avó e pedi perdão. Logo em seguida lhe dei um abraço. Na mesma hora me senti leve. Foi o primeiro passo de um recomeço”, afirma Bárbara.

Você imagina pedir perdão para quem lhe ofendeu um dia? Aos olhos de muitos, essa é uma atitude absurda, uma vez que pensam que o perdão significa a aceitação do problema. O que eles não sabem é que esse ato nada tem a ver com o agressor, mas sim com a vítima. Quem perdoa é comprovadamente mais feliz, mais saudável e convive melhor com os outros.

As pesquisas afirmam que essa atitude faz bem para o corpo, a mente, a alma e o espírito. “Estudos da Universidade de Berkeley, nos Estados Unidos, e em diversos hospitais de referência nos Estados Unidos e na Europa mostram que o perdão tem vários benefícios. Primeiro no sono: quem perdoa dorme melhor. Segundo que ele reduz a pressão arterial e isso baixa o batimento cardíaco, trazendo longevidade”, explica o coaching Ahlex Van Der All.

Mas, se faz tão bem, por que é tão difícil praticar o perdão? Para o psiquiatra Ivan Mario Braun, essa dificuldade provém de um entendimento errôneo a respeito do significado do perdão. “As pessoas acreditam que se perdoarem serão coniventes com o que aconteceu, mas, na verdade, o que muda são os pensamentos que, em razão da ofensa, levam a sentimentos negativos. A pessoa que perdoa percebe o erro, mas não reage com mágoas ou vinganças: é uma mudança cognitiva”, esclarece.

A real importância

Em primeiro lugar, é preciso saber que perdoar não significa esquecer. “Vamos pensar em um caso de abuso sexual na infância de uma pessoa. Ela pode ter hoje 80 anos. E eu pergunto: ela esqueceu o que vivenciou? É evidente que não, mas, se houver perdão, essa lembrança já não trará mais sofrimento. Serão apenas memórias ruins, porém passadas e resolvidas”, exemplifica a psicóloga Alessandra Amorim.

Para se livrar desse peso que traz mágoa e dor existem três caminhos necessários e obrigatórios: o do perdão a si mesmo e a quem te machucou um dia e o do pedido de desculpas sinceras para quem você ofendeu.

Perdoe a si mesmo

O vendedor Elton Alves (foto ao lado), de 33 anos, teve que se perdoar para conseguir mudar de vida. “Eu não ligava para minha família e tomei uma atitude que quase me fez perder tudo: traí minha esposa. Ela descobriu e me pediu para ir embora. Fiquei destruído, voltei para a casa dos meus pais e me senti culpado pelo fim da minha família”, lembra.

A esposa dele, Vanessa Mendes, de 34 anos, conta que quando isso aconteceu a filha deles ainda era pequena. “Após o nascimento da nossa segunda filha, nós nos perdemos de alguma forma. Me vi totalmente envolvida na rotina de casa, dos filhos e do trabalho. Ele não se envolvia, não me dava suporte. Me senti sobrecarregada, cansei de pedir e cobrar uma mudança e comecei a desprezá-lo, no intuito de gerar uma reação. Mesmo com os problemas de adaptação, não imaginava que o Elton pudesse descer tanto, a ponto de chegar a me trair”, explica Vanessa.

Sentindo um vazio muito grande, Elton se isolou e passou a conviver com a culpa dia e noite. “Fiquei arrasado, só que, ao mesmo tempo, era muito orgulhoso e não conseguia reconhecer meu erro. Era um misto de ódio com arrependimento e acusação”, diz o vendedor.

Ambos frequentavam a Universal, inclusive Elton era obreiro na época, então, além da família, ele estava perdendo o ministério. “Foi quando minha ficha caiu e passei a orar e a pedir a Deus uma nova chance. Eu realmente queria uma transformação. Me humilhei e pedi perdão a Ele. Depois disso, entendi que também precisava me perdoar pelo que tinha feito. Isso me deu forças para resgatar minha família”, afirma.

Vanessa decidiu reatar o casamento, mas de forma diferente. “Apesar de tê-lo perdoado, havia perdido a admiração e a confiança. Fiz algumas imposições para lhe dar uma nova chance, ele aceitou e ali começamos o processo de cura que não foi nada fácil. Tive vontade de desistir várias vezes. Mas, quando passei a ver uma mudança real, me senti segura. Hoje fazemos a ‘Terapia do Amor’ todas as semanas e temos reconstruído nosso casamento dia após dia”, finaliza Vanessa.

O perdão interior é uma necessidade para aqueles que desejam crescer e evoluir. “A pessoa precisa entender que não é perfeita. Pessoas com baixa autoestima ou críticas tendem a ser mais rígidas consigo mesmas e isso traz dificuldades. Por isso a importância de se ter humildade”, acrescenta a psicóloga Alessandra.

“Eu te desculpo”

Viver essa frase significa reconhecer que o outro carece de perdão. Isso abre horizontes, deixa o passado para trás e cria um novo início. Mesmo que não seja possível dizer isso à pessoa face a face, ao liberar o perdão você deixará de agir pelo sentimento e passará a agir pela razão.

A fisioterapeuta Fernanda Ferreira de Oliveira (foto ao lado), de 32 anos, decidiu perdoar o ex-namorado após perceber que guardar mágoa a estava fazendo uma pessoa infeliz, nervosa e solitária. “Tive uma gravidez não planejada e, com o fim do relacionamento, o pai do meu filho o abandonou também. Eu tinha muito ódio porque ele seguiu a vida como se nada tivesse acontecido e eu parei a minha para cuidar do meu filho que pouco depois desenvolveu algumas deficiências físicas”, afirma a jovem.

Ela não achava a situação justa, mas, ao começar a desenvolver uma fé inteligente, entendeu que o perdão era necessário, não para o ex-namorado, mas para que ela mesma fosse feliz. “Frequentando as reuniões, entendi que quem sente todo o fardo da raiva é quem guarda e não quem a causa. Então, decidi perdoar. Foi muito difícil, mas percebi que consegui quando passei a orar por ele e a contar essa história sem sentir dor”, conta.

Esse perdão foi um dos degraus que a levou a Deus. “Hoje não temos mais convívio, pois ele não vê o filho, mas não tenho mais aqueles sentimentos ruins dentro de mim. Tenho paz e alcancei a maior glória que um ser humano pode ter, que é a salvação. Além disso, hoje tudo o que planejo dá certo e antes nada dava certo. Não sou mais nervosa nem ansiosa, sou liberta”, finaliza.

“Me perdoa?”

Em um estudo publicado no European Journal of Social Psychology, o psicólogo Tyler Okimoto, da Universidade de Queensland, na Austrália, solicitou que 228 voluntários descrevessem um episódio em que acreditavam ter prejudicado alguém. A recusa de se desculpar foi a mais comum. Essa ação, de acordo com o estudo, está ligada à preservação da autoestima e a um comportamento defensivo por parte de quem erra.

Por isso, para o psiquiatra Ivan, reconhecer um erro é uma atitude que exige a desconstrução do ego. “Porque pedir perdão pode expor alguém à punição do(s) outro(s): ‘se pediu perdão é porque estava errado e merece ser punido’. Pedir perdão significa admitir que não se é perfeito, perante a si mesmo, o outro e, por vezes, a sociedade”, exemplifica.

Esse era o pensamento do mecânico Fábio Oliveira Neto (foto ao lado), de 26 anos. Aos 18 anos ele foi morar com a namorada. Ela engravidou no quinto mês de namoro e ele tentou manter a relação por alguns anos, mas não assumiu o relacionamento como deveria. “A magoei muito. Ela tinha expectativa de construir uma família e eu estava preso em meus conflitos e decidi abandonar tudo. Aí começou o verdadeiro inferno: tentei o suicídio por duas vezes cortando os pulsos, entrei com todas forças no mundo dos vícios começando no álcool, cigarros, depois maconha, cocaína e as vezes crack”, lamenta.

Fábio diz que culpava os pais por estar naquela situação. “Eu nasci fruto de uma traição. Meu pai recorreu aos farmacêuticos para tentar me abortar. Carreguei por muitos anos a dor dessa rejeição. Só que acabei fazendo o mesmo que meu pai e abandonei meu filho que estava com três anos na época”, revela.

Em meio a essa prisão sentimental, o mecânico teve um encontro que transformou sua forma de lidar com os problemas. “Uma noite de domingo estava no fundo do poço, saindo de um show e peguei o ônibus para ir embora. Um rapaz da Força Jovem Universal estava à espera do mesmo ônibus que eu e fui até ele perguntar se tinha um cigarro. Então esse rapaz me deu um convite de uma palestra. Nunca me imaginei dentro de uma igreja, mas aceitei e fui”, lembra.

Fábio sentou no fundo da igreja para que ninguém o visse, mas o que ouviu naquele dia o tocou e o fez refletir a respeito de suas escolhas. “Mergulhei nas palestras e comecei a participar da ‘Terapia do Amor’ às quintas-feiras. Ao passar um ano, passei a amar meus pais, mesmo ainda não tendo contato com meu pai. Decidi também o mais difícil: pedir perdão à minha ex. Disse a ela que eu me arrependia de tudo que havia feito e que seria um pai melhor dali em diante. Tirei um peso enorme de mim. Hoje minha vida é fruto de uma palavra chamada perdão que eu continuo aprendendo e colocando em prática dia após dia”, conclui.

Exercício necessário

Na Bíblia, a palavra grega “perdão” traduzida quer dizer “abrir mão, deixar ir embora”. É como se alguém abrisse mão do pagamento de uma dívida. Jesus usou essa comparação quando ensinou seus seguidores a orar: “Perdoa-nos os nossos pecados, pois nós mesmos também perdoamos a todo aquele que está em dívida conosco.” (Lucas 11:4). Também na parábola do escravo que não quis perdoar, Jesus comparou o perdão ao cancelamento de uma dívida. (Mateus 18:23-35). Perdoar é rasgar a promissória de dívida emocional que o outro tem e que jamais poderia pagar.

A oração Pai-Nosso ensina que não se perdoamos aqueles que nos ofendem, não somos perdoados pelo próprio Deus. Então, se Ele perdoa, por que ficar em uma posição superior à dEle? A pessoa que não perdoou sempre sente dor ao falar ou lembrar do ocorrido.

Mas quando se entende que o perdão é algo que faz mais bem para si mesmo do que para o outro, você se torna uma pessoa livre que pode mais facilmente amar, cuidar e viver a vida da forma plena e saudável como tem que ser.

Você não precisa necessariamente voltar a conviver com quem lhe feriu, muito menos deve concordar com os erros. Lembre-se sempre que não se deve perdoar os outros porque eles “merecem”, mas sim porque é você quem “merece” conquistar uma vida de paz.

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Colaborador

Por Ana Carolina Cury / Fotos: Arquivo Pessoal, Henry Braga, Marcelo Alves e Demetrio Koch