Pornografia: dos filmes para os palcos
Músicas e coreografias com conotação sexual ganham espaço no Brasil e colocam em risco crianças e adolescentes
É triste ver o baixo conteúdo de parte das músicas produzidas no Brasil. Letras inteligentes, que façam sentido, tragam reflexões ou mesmo críticas são cada vez mais raras. O que tem sido observado, principalmente com o apoio das redes sociais, é o apelo sexual. Isso acontece em quase todos os ritmos musicais, como o sertanejo, o pop e o funk. O pop e o funk, aliás, chegaram a patamares assustadores e preocupantes.
Recentemente, o Ministério Público de São Paulo instaurou um inquérito para apurar a entrada de menores de idade, inclusive desacompanhados, em shows de uma funkeira muito popular no Brasil. De acordo com a solicitação encaminhada pela Secretaria da Justiça e Cidadania do governo do Estado, “a cantora promove shows de conotação sexual e obscena, ao som de músicas com letras de conteúdo pornográfico e performances eróticas”.
Prevendo manifestações de pessoas que possam acusar a investigação de censura, Luciana Bergamo, promotora de Justiça, argumentou que “apesar de a Constituição garantir direito à livre expressão da atividade artística, independentemente de censura ou licença, o exercício desse direito não pode violar direitos fundamentais de crianças e adolescentes, que precisam ter acesso à informação, cultura, lazer, esportes, diversões, espetáculos, produtos e serviços que respeitem a sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento”.
Apesar de a música ser uma expressão cultural, há limites que estão sendo extrapolados. Não é uma questão de conservadorismo, mas de bom senso. Qual o sentido de uma apresentação simular relações sexuais e envolver não apenas os dançarinos, mas também fãs que sobem ao palco e se submetem a tal exposição, especialmente quando eles são menores de idade?
O sexo está entre as necessidades humanas mais exploradas. Vídeos, filmes, músicas e fotos sobre o tema tendem a atrair a curiosidade e parecer atraentes aos desavisados. A grande questão é que, se um adulto, muitas vezes, tem dificuldade de se manter longe desse tipo de conteúdo, que é prejudicial para sua saúde – como já comprovado cientificamente –, imagine no caso de crianças e adolescentes.Que proteção tem sido oferecida para esse grupo que está em desenvolvimento?
Erotização infantil
De acordo com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), braço da Organização das Nações Unidas (ONU) que promove direitos e bem-estar de crianças e adolescentes, “o conteúdo pornográfico é extremamente prejudicial às crianças. Ele pode levar a problemas de saúde mental, sexismo e objetificação, agressão sexual e outros resultados negativos”.
Apesar do alerta, esse tipo de informação é cada vez mais comum e de fácil acesso na internet. As músicas e shows, por exemplo, têm potencial de aguçar a curiosidade e o desejo de saber mais, ver mais e se envolver mais nesse meio.
“Com a internet, atualmente, a criança tem acesso cada vez mais precoce à sexualidade. Muitas vezes, ela reproduz o que assistiu em algum vídeo ou viu na coreografia de alguma música com conteúdo e letras mais explícitas, sem saber exatamente os significados e desdobramentos de tudo isso, porém, implicitamente, a sexualidade acaba sendo naturalizada precocemente. Além disso, nem sempre sabemos quem está ao redor observando”, explica a psicopedagoga Gabriela Souza.
Na prática, consumir esse tipo de conteúdo tão cedo leva a distorções de conceitos importantes, como o do amor, e pode provocar impactos negativos no futuro. Também podem surgir, já nesse período, sentimentos de medo, ansiedade e agitação.
De acordo com uma pesquisa divulgada neste ano pela Common Sense Media, 54% dos adolescentes entrevistados assistiram pornografia pela internet antes dos 13 anos, sendo que 15% tiveram contato com esse tipo de conteúdo antes dos dez anos. Foi nessa faixa etária que a cantora americana Billie Eilish, de 21 anos, teve o primeiro contato com o sexo. Em entrevista, ela revelou ter sido uma “desgraça” ter sido exposta a cenas eróticas “violentas” e “abusivas”. Segundo ela, o seu cérebro foi “destruído” pelo contato precoce, a ponto de distorcer em sua mente o que é considerado normal durante o sexo.
Além disso, ao ver em shows, festas de aniversário ou em filmes coreografias que fazem alusão ao desejo e a posições sexuais, aquilo se torna comum para a criança, o que tira o real valor do corpo, da privacidade e da intimidade e os banaliza.
Tomando as rédeas
Os pais e responsáveis precisam ter consciência de que a criança e o adolescente estão em formação e é função familiar passar as referências corretas. Infelizmente, músicas com teor sexual atualmente são tocadas até dentro das escolas e, por isso, é preciso manter sempre o diálogo e deixar claro o que é ou não adequado. As proibições podem até funcionar por um tempo, mas não são realmente educativas. Somente a informação e a conscientização dos pequenos têm efeitos duradouros.
A conversa familiar também tem a função importante de aproximar pais e filhos. Mesmo em meio a inúmeras tarefas do dia a dia, os adultos precisam conhecer os amigos e as pessoas mais próximas do seus filhos, agir sempre de forma respeitosa e buscar informações. Um bom vínculo familiar permitirá que haja confiança de contar o que acontece fora de casa. E, caso seja identificado algum comportamento inadequado na escola, por exemplo, é importante buscar a direção da instituição e soluções para que todos fiquem protegidos.
“As crianças e adolescentes precisam encontrar segurança para tratar de qualquer assunto em família. Muitas vezes, eles podem não compreender os limites que a família impõe, porém é importante que os familiares procurem sempre ser francos com a criança e com o adolescente e esteja aberta ao diálogo”, afirma Gabriela.
Vale destacar que não é porque a criança está em casa que ela está segura. Se ela tem acesso livre ao celular corre tanto risco quanto se estivesse brincando sem supervisão na rua. Portanto, o monitoramento de sites, jogos, bate-papos e redes sociais acessados é imprescindível, inclusive porque é o caminho que muitos pedófilos usam para atrair, chantagear e até abusar do público infantil. “Hoje em dia existem várias ferramentas que moderam o acesso da criança à internet e a impedem de acessar certos conteúdos indevidos e, para aqueles momentos em que a criança não estiver perto da família, vale o que estiver dentro dela de todo ensino que recebeu e do diálogo que desenvolveu”, ressalta Gabriela.
Além de tudo isso, é importante intensificar a cobrança das autoridades, que precisam estar atentas para cumprir as leis destinadas à proteção das Crianças e dos Adolescentes, futuro da nossa sociedade.