Projeto de “zumbificação” do ser humano caminha a passos largos

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E m 2017, a 69ª Reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) abordou o tema A Epidemia de Transtornos Mentais e destacou que muitos países estão passando por uma epidemia de diagnósticos equivocados. Em entrevista ao portal da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a professora Maria Aparecida Affonso Moysés, da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), afirmou que “o número de diagnósticos de transtorno mental é absurdo e isso impede que muitas pessoas que realmente possuem o problema consigam ser tratadas na saúde pública”.

Ela também falou do “fenômeno de medicalização da vida”, que significa transformar um problema coletivo em um problema pessoal. “Um bom exemplo da medicalização da vida pode ser visto nas escolas. Se tem dificuldade de aprendizado, a criança é rapidamente diagnosticada com transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH). Muitas vezes, ela não tem nada e os seus problemas de aprendizado estão relacionados à política educacional do País e à falta de qualidade de muitas escolas. Um problema coletivo (a educação brasileira) pode ser transformado em um problema pessoal (a criança é diagnosticada com um transtorno mental)”, declarou.

No caso do TDAH, por exemplo, os sintomas mais comuns são falta de atenção, inquietação e impulsividade. Se os compararmos aos efeitos que a exposição frequente a vídeos curtos causam, veremos uma inegável conexão. Tanto que o jornal americano The Wall Street Journal cunhou o termo “cérebro de Tik Tok” para descrever a falta de foco e o aborrecimento constante detectado nas pessoas que rolam infinitamente o feed das redes sociais.

Um estudo realizado em agosto de 2021 pela Universidade de Zhejiang, na China, analisou a reação do cérebro a vídeos curtos e descobriu que eles afetam regiões ligadas à empatia, ao autoconhecimento e à realização de tarefas. Em entrevista ao Tilt, a psicóloga infantil Geovana Figueira Gomes, afirmou: “como todo o conteúdo do TikTok é picotado, não há construção de história, em que se acompanham diversas etapas, como cansaço, frustração, animação, e isso é um problema um cérebro em desenvolvimento”.

O prejuízo cerebral causado pelos vídeos curtos é real, porém, em vez de reduzir a exposição, há um crescimento na oferta, pois outras redes vêm copiando o modelo. Ao mudar de cenário, de tema e de estímulo rapidamente, o usuário treina seu cérebro a não prestar atenção em nada, pois em segundos o assunto será outro.

Se o seu filho não quer sair de casa e não presta atenção em nada, provavelmente não se trata de uma patologia clínica, mas do excesso de exposição às telas. Mas, é importante destacar que esse fenômeno não atinge apenas crianças e adolescentes. Embora seus cérebros estejam em formação e sejam as “presas” mais fáceis, os adultos também apresentam as mesmas características.

O processo de “zumbificação” dos seres humanos está caminhando a passos largos e é preciso tomar providências imediatas para interromper e reverter essa triste realidade o quanto antes.

Patricia Lages, jornalista

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Colaborador

Patricia Lages, jornalista / Foto: Georgijevic/getty images