Refugiados: a chance de recomeço
Em busca da sobrevivência, milhares de pessoas fogem de seus países à procura de refúgio. Conheça histórias de quem carrega a marca da perseguição
“Quero representar todos os refugiados para mostrar ao mundo que após a dor e a tempestade surgem dias almos. ” A frase foi dita para a ONU Brasil pela nadadora refugiada síria Yusra Mardini, de 18 anos, que participou pela primeira vez de uma olimpíada ao competir no Rio de Janeiro. A história da jovem e de sua família comoveu o mundo e trouxe uma grande reflexão aos brasileiros.
Na tentativa de fugir do país de origem por causa dos conflitos locais, eles viajaram pelo mar aberto rumo à Europa. Após uma pane no motor, ela, a irmã e outros dois homens nadaram mais de três horas empurrando o barco. “Éramos 20 pessoas. Eu perdi tudo”, lembra Yusra, que hoje mora na Alemanha.
Ela ficou em 41º lugar nos 100m borboleta e em 45º nos 100m livre. Apesar de não ganhar medalhas, ela volta ao país germânico com o status de vitoriosa.
Os espectadores aplaudiram os dez refugiados que também estavam nos Jogos pela primeira vez representando os mais de 65 milhões refugiados em todo o mundo.
A pergunta que fica é: e depois das festas? Será que eles serão tratados com o mesmo respeito e ajuda que ganharam na Olimpíada do Rio ou foi apenas um momento de emoção?
Discussão e visibilidade para o tema
A coordenadora de Política Externa da Organização Conectas Direitos Humanos, Camila Asano, explica que a presença dos refugiados na Olimpíada 2016 é importante para dar visibilidade ao tema e às questões que eles enfrentam no Brasil e no mundo.
“A sociedade e as instituições governamentais precisam enxergá-los como sujeitos com direitos e atentar para as graves situações que ocorrem nos países de destino e também nos países de origem, pois muitas situações ainda não foram solucionadas e muitos conflitos duram anos, como na Síria, ou até décadas, no caso da República Democrática do Congo”, ressalta a especialista.
O ex-representante da Agência da ONU para Refugiados (Acnur) e sociólogo Andres Ramirez Silva afirma que a procura pelo Brasil como moradia tem aumentado nos últimos seis anos e que há muitas dificuldades a serem superadas.
“Segundo consulta com os refugiados e solicitantes organizada pela Acnur, os principais obstáculos que eles enfrentam são a obtenção de moradia e o acesso ao mercado de trabalho, mas é admirável como eles têm mostrado resiliência, dignidade e vontade de vencer os desafios”, observa.
O sonho da sobrevivência
Características que representam a vontade de recomeçar podem ser observadas no designer Mohamad Abu Alzahab, de 32 anos,. (foto ao lado) Há quatro anos, ele teve que tomar uma decisão muito difícil para salvar sua esposa, Rasha Mubayed, de 35 anos, e filhas. Em entrevista exclusiva à Folha Universal, o sírio detalhou o drama que só quem precisa fugir de sua pátria conhece de perto.
“Depois que a guerra eclodiu na Síria, em 2011, vivemos dias tristes. Não conseguia, por diversas vezes, voltar para minha casa depois do trabalho, em razão do perigo de morrer. Era tiro para todos os lados. A situação se agravou e, em setembro de 2012, o pesadelo aumentou”, se recorda.
Naquele ano, bombardeios aconteciam por todos os lugares. Os conflitos armados para derrubar o até então presidente Bashar al-Assad do poder ganhavam força e, como consequência, o país passou a viver uma crise humanitária.
Mohamad diz que decidiu sair do país quando viu a esposa e a filha mais velha entre a vida e a morte. “Não tínhamos água, telefone nem eletricidade em casa. Até que veio mais um bombardeio. Ficamos até as 5 horas da madrugada sobo fogo. Eu tinha duas escolhas: ou ficar ali e perder toda a minha família ou sair do meu país”, lamenta.
Após uma viagem difícil e cansativa, ele conta que chegaram à Jordânia, país muito procurado para refúgio. Lá, atualmente por lá, há mais de 16 mil pessoas buscando abrigo, segundo Mohamed Momani, porta-voz do governo. “Após um ano e quatro meses não consegui voltar à vida normal e tentamos ir para a França ou os Estados Unidos, mas nossa entrada foi negada nos dois locais”, revela Mohamad.
Foi quando, em 2014, ele viu um cartão-postal de São Paulo e decidiu buscar ajuda na embaixada brasileira. “Após conseguir visto e moradia, decidimos recomeçar aqui. Fizemos um curso gratuito para aprender a língua portuguesa. Hoje, sou designer de anúncios e trabalho com minha esposa com artesanato para pagar um quarto de aluguel”, acrescenta.
Ele diz que só está conseguindo vencer porque recebe ajuda de voluntários. “Há pessoas que nos motivam a continuar, independentemente de religião. Minha segunda filha, Talia Abu Alzahab, está com 1 ano; e a primeira, Maria Abu Alzahab, está com 6 anos. Creio que vamos conseguir dar um futuro lindo a elas”, conclui o designer.
A importância da ajuda de voluntários
Muitas pessoas exercem papéis que deveriam ser cumpridos por instituições e pelo governo. Rozângela de Moraes, professora de educação infantil, por exemplo, atua nas horas livres como evangelista da Universal e, em um dos trabalhos comunitários, conheceu um jovem que necessitava desesperadamente de ajuda. “Ele veio da República Democrática do Congo e sua história me impressionou. Tudo começou com a guerra no seu país, de onde fugiu para não morrer e deixou lá seus familiares. Viajou de navio durante meses e chegou ao Brasil”, conta.
Ao conhecê-lo, a professora se admirou com a inteligência do rapaz. “Percebi que ele gosta de estudar, fala quatro idiomas, toca instrumentos musicais, conhece a Palavra de Deus, tem muita vontade de reconstruir a sua vida aqui no Brasil e de reencontrar seu familiares”, diz.
Ela o ajudou a encontrar moradia, a aprender a nova língua e, principalmente, a buscar, por meio de Deus, forças para superar este momento. “Hoje, ele está legalizado no Brasil, estuda, trabalha e participa do grupo da Força Jovem, destinado aos jovens, onde encontrou pessoas que também se prontificaram a ajudá-
lo”, observa.
A fé que impulsiona a ter esperança
Apesar de os refugiados sírios serem maioria no Brasil, a África também sofre muito com a opressão. Desde 1991, a Somália, por exemplo, vive conflitos internos causados pela instabilidade política, o que já gerou mais de 1 milhão de refugiados. Já na Nigéria embates com a milícia islâmica Boko Haram também fazem com que milhões de pessoas deixem a nação. “Temos um monte de problemas socioeconómicos que são causados por experiências passadas que ainda marcam o nosso país, como o apartheid e outras questões de classe racial e social”, revela o africano Sindisa Joshua, de 26 anos, (foto ao lado) professor de inglês e obreiro da Universal
Ele está no Brasil desde 2012 e conta que decidiu ajudar muitas pessoas provenientes de seu país que vieram buscar uma nova vida. “Eu não vim como refugiado, mas como imigrante, e, mesmo assim, passei dificuldades para conseguir moradia, trabalho e alimentação. Esses obstáculos me fizeram querer auxiliar os refugiados. Fiquei muito desapontado de que existam poucas organizações e escritórios para ‘dar uma força a eles’”, diz.
Prestar esse tipo de ajuda também trouxe muito conhecimento a ele. “Ao ensinar outras línguas, acabei aprendendo novas. Hoje falo oito idiomas. Vi muitas pessoas sofrerem e ensinei a elas tudo que fiz para vencer aqui”, completa o professor.< /p>
A fé também tem sido uma grande aliada para os refugiados. Segundo o bispo Alessandro Rodrigo Paschoal, líder do grupo de Evangelização em todo o Brasil, a Universal faz questão de acolher todos os que precisam de ajuda. “Para nós, não existe diferença de cor, etnia ou nacionalidade. Todos são, perante Deus, pessoas de extrema importância. Temos o nosso próprio trabalho evangelístico que vai ao encontro destas pessoas aonde quer que elas estejam”, explica.
O bispo Alessandro diz que a verdadeira mudança deve começar no interior e deixa uma mensagem: “Se você é uma pessoa refugiada, saiba que Deus está esperando você de braços abertos, quer apagar todo o seu passado de tristeza e dor e fazer de você um vencedor. Para o governo você até pode ser um refugiado, mas para Deus você é uma alma de grande valor”, afirma.
Um novo olhar
No final do ano passado, uma foto chocou o mundo. O corpo de uma criança refugiada apareceu na beira de uma praia em um resort turco. E, por trás dessa imagem triste, há outros milhões de pessoas que morrem todos os dias tentando fugir do sofrimento. Elas estão nos barcos, nas boleias de caminhões e ninguém sabe ao menos seus nomes ou suas histórias. O mundo quer construir cercas para que elas não passem e muros para continuar a ignorá-las, mas, em vez de olhá-las com medo e preconceito, é preciso estender a mão.
Não adianta admirar os refugiados quando eles estão em Jogos Olímpicos e fazer de conta que não existem no dia a dia. Saber se colocar no lugar do outro é uma virtude. Por isso, está na hora de o Brasil intensificar ainda mais sua fama de país acolhedor. As pessoas podem até estar divididas em nações e culturas, mas todas são iguais e fazem parte da mesma raça: a raça humana.
O sonho do recomeço e do reencontro
As guerras que acontecem na Síria fizeram com que Razan Suliman, de 27 anos, perdesse tudo. “Eu e meu marido não tivemos outra escolha a não ser deixar Aleppo. Lembro que os soldados entravam em nossas casas, roubavam as nossas coisas, matavam as crianças e estupravam mulheres”, conta.
O Brasil os acolheu e ela se diz muito grata ao País. “Cheguei grávida do meu filho Adam. Faz dois anos que estamos aqui buscando recomeçar. Preparo comida árabe para vender e tenho o sonho de rever nossa família, porque meus pais e meus irmãos ainda estão em áreas onde existem conflitos. Estou segura, mas eles não. Isso ‘aperta’ meu coração todos os dias”, lamenta Razan.