Violência política: a principal vítima é a democracia

Praticada por políticos ou por civis, a violência é inadmissível em um regime considerado democrático e que visa o bem-estar da sociedade

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A animosidade entre políticos e a população sempre esteve presente, mas há momentos em que ela se torna extrema. Há algumas semanas, o ex-presidente dos Estados Unidos e pré-candidato Donald Trump (Partido Republicano) foi alvejado com um tiro na orelha enquanto discursava. O episódio, que resultou na morte de um civil e do atirador, é um exemplo desse grau máximo de violência política.

O cientista social Luciano Gomes explica que essa é uma das facetas da violência humana: “ela é um desafio permanente à democracia e manifesta-se de diversas formas: a intimidação, o discurso de ódio, a agressão física e pode chegar ao assassinato. O objetivo da violência política é silenciar as vozes divergentes, impedir a participação política e fragmentar as bases da democracia”. Já segundo Alexandre Pires, professor de relações internacionais do Ibmec-SP, a violência política também é classificada dessa forma quando grupos políticos consideram o uso de violência como um meio legítimo de alcançar o poder. “E em sua forma institucionalizada é quando o Estado recorre à violência para convencer, forçar ou obrigar opositores a concordarem com suas políticas”, diz.

Cada vez mais perto

Violência contra lideranças políticas não é algo recente e também ocorre no Brasil. Em 2014, a presidente na época, Dilma Rousseff (PT), foi vaiada e hostilizada durante a abertura da Copa do Mundo, em São Paulo. Em 2018, o então candidato à Presidência, Jair Bolsonaro (na época filiado ao PSL), sofreu um atentado em Juiz de Fora (MG). No início de junho deste ano, pré-candidatos às eleições municipais em Cerquilho (SP) encontraram na frente de suas casas “caixões” com seus nomes escritos.

“A violência política no Brasil costuma ocorrer mais fortemente no nível municipal, contra vereadores e deputados. Até costuma haver um pico em período de eleições gerais, mas sem que atinja cargos majoritários, como senadores, presidentes e governadores, e no período das eleições municipais, em que o número às vezes não é tão alto, mas os atos são mais violentos”, cita Pires.

De janeiro de 2019 a junho de 2024, foram contabilizados 2.113 casos de violência política no País. Os dados são do Observatório da Violência Política e Eleitoral no Brasil produzido pelo Grupo de Investigação Eleitoral da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro e indicam que os períodos com maior taxa de violência contra lideranças políticas e suas famílias foram o terceiro trimestre de 2020, com 236 casos; o terceiro trimestre de 2022, com 213 casos; e o segundo trimestre de 2024, com 128 casos. São justamente os períodos que antecederam eleições e as violências mais comuns são ameaça, agressão, homicídio, atentado, homicídio familiar e sequestro.

Um erro atroz

O respeito à pluralidade de opiniões está morrendo. Cada vez mais pessoas são atacadas por suas ideias, principalmente na internet. “A internet facilitou a criação de redes sociais e a disseminação de informações que não têm mais curadoria. Não há mais uma figura do jornalista ou editor por trás e as pessoas, dentro de suas redes e canais favoritos de informação, acabam ficando privadas de informações contraditórias ou que informem que tal pensamento está errado. Essas ‘bolhas’ aumentam a polarização e dificultam o debate, a persuasão e o convencimento que são o insumo básico de sistemas democráticos”, salienta Pires.

Essas bolhas, que instigam violência, por vezes, são alimentadas pelos próprios políticos ao atacar adversários, em vez de debater ideias, e a principal vítima é a própria democracia. “As lideranças políticas, por meio de suas falas e comportamentos, exercem forte influência em seu público eleitoral e podem influenciar seus simpatizantes extremos a cometer atos de violência”, aponta Gomes. Ele destaca, entre essas falas e comportamentos, a propagação do discurso de ódio contra oponentes, a utilização de termos como “guerra” ou “inimigo” para se referir a conflitos políticos, a atribuição de características negativas a um grupo, como dizer que nesse grupo só há preguiçosos ou criminosos, a recusa em aceitar os resultados das eleições ou outros processos democráticos, as homenagens ou defesa de figuras histórias que cometeram atrocidades e adoção de discursos que minimizam a gravidade de seus crimes, a defesa ou proteção a aliados que cometeram atos violentos ou crimes demonstrando o desprezo pelo Estado de Direito e pela justiça.

“Diversos aspectos da democracia são diretamente afetados pela violência que atinge o Estado de Direito, como a liberdade de expressão, a participação política, o processo eleitoral justo e a confiança do povo nas leis e na justiça. A violência gera polarização e ausência do diálogo construtivo entre os diferentes grupos políticos da sociedade e eleitores, um clima de medo e insegurança e compromete a construção de uma cultura de paz e de respeito à diversidade.

Por fim, em alguns casos extremos, a violência política pode levar a rupturas na ordem democrática, como golpes de Estado, guerras civis ou regimes autoritários”, lista Gomes.

Segundo Pires, nenhuma sociedade começa democrática. A democracia percorre um longo caminho que inclui cultura cívica e política e regras em que as pessoas acreditem. “Quando as pessoas percebem que as eleições são, de fato, justas, livres e que existe uma real possibilidade de alternância de poder, ou seja, decisão se o governo continua ou se alterna, seja um prefeito, seja um governador, seja um presidente, isso dá força para a democracia. E, quando esses processos eleitorais levam a mudanças ocasionais de programas políticos isso fortalece a democracia. Já a violência política é a antítese da democracia. Então, quanto mais exacerbada, mais frequente e mais disseminada, menos democracia nós temos ou, para ser mais claro, a democracia está até impossibilitada”, esclarece.

A erradicação dessa violência – e de qualquer outra – depende do empenho da sociedade civil e de nossos representantes. Para Gomes, “cada cidadão pode contribuir para a construção de uma sociedade mais pacífica e tolerante, denunciando atos de violência, promovendo o diálogo e o respeito à diversidade e cobrando de seus representantes políticos medidas efetivas para prevenir e punir crimes de violência política”. Sendo assim, enquanto pesquisa em quais candidatos votar nas eleições municipais de sua cidade, não se esqueça de avaliar também o comportamento e os discursos deles – afinal de contas, a violência não deve ser uma ferramenta política em nenhuma circunstância.

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Colaborador

Laís Klaiber / Fotos: Reprodução, Miljan Lakic e Andrew Caballero-Reynolds/GettyImages