Violência política X Democracia

Medo de agressões e ameaças no mundo real e virtual calam os cidadãos e dão liberdade a movimentos perigosos

Imagem de capa - Violência política X Democracia

A violência se transformou em um problema crônico no Brasil. Além de dados que tratam de roubos, furtos e agressões, entre outros, há ainda um índice que sobe de forma preocupante em períodos de eleição: a violência política. De acordo com dados do Observatório da Violência Política e Eleitoral, do Grupo de Investigação Eleitoral da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), houve um aumento de 26% nos registros de violência contra políticos no primeiro semestre deste ano. O relatório revela que entre janeiro e junho deste ano foram 214 casos, contra 169 no mesmo período de 2021. Entre os tipos de violência mais frequentes estão ameaças, agressões, homicídios, atentados e sequestros.

E, se a violência cresceu contra representantes políticos, o mesmo ocorreu contra cidadãos comuns que expressam suas opiniões políticas. Tanto que uma pesquisa encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e pela Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (Raps) mostra que 67,5% dos brasileiros têm medo de sofrer agressões por motivos políticos, porcentagem que corresponde a cerca de seis em cada dez pessoas. Inclusive, uma parte dos entrevistados (3,2%) relatou ter sofrido ameaças por motivos políticos no mês que antecedeu a pesquisa. Esse panorama estimula o silêncio e aproxima o País muito mais de um regime ditatorial do que da democracia.

Afinal, o que é a democracia?
Segundo historiadores, em 510 a.C., uma revolução aconteceu em Atenas e derrubou o último tirano que governou a região. Depois desse processo teve início o desenvolvimento de um novo modelo de gestão no qual o povo possuía o poder, chamado de “demokratia” (traduzindo, “demo” significa “povo” e “kratia”, poder). Claro que desde então ocorreram muitas mudanças no modelo proposto, mas a essência segue a mesma. Uma delas é quando as pessoas vão às urnas votar: elas estão exercendo o seu poder de escolha.

Em um governo democrático, as pessoas são livres para expressar suas ideias sem o temor de sofrer represália, direito que, inclusive, é garantido pela Constituição brasileira. Em nosso país convivemos com a pluralidade de pensamentos. “Na democracia é natural que existam conflitos e grupos antagônicos, pois a defesa acalorada de ideias faz parte do sistema democrático”, afirma o advogado Denis Farias. Contudo, lembra ele, essas diferenças devem ser resolvidas com debates e argumentos, jamais com agressões. Segundo Farias, “violência e vandalismo não são bons em nenhum regime de governo. Muito menos na democracia”.

Na democracia plena existe o respeito e a discussão saudável de ideias. “Isso faz parte dos pilares da democracia. A liberdade de expressão de todos os cidadãos da República é fundamental para manter pujante a defesa de ideias e até mesmo críticas construtivas ao regime democrático, aos poderes que controlam a República e a seus respectivos governantes”, afirma Farias.

Por outro lado, ele alerta para o perigo dos extremos: “a liberdade de expressão não pode ser confundida com liberdade para caluniar, difamar ou injuriar quem quer que seja. Todos os excessos, a falta de respeito e a difusão de ideias discriminatórias e falaciosas devem ser corrigidos pelos instrumentos jurídicos existentes em toda democracia por meio do Poder Judiciário e de Estado-Juiz”. Ou seja, a própria democracia prevê punição para o extremismo, portanto a busca de solução por meio de agressões não faz parte do regime.

Mais do que uma descrição
A defesa da democracia é responsabilidade de cada brasileiro. Como o poder está nas mãos do povo, é o próprio povo que tem a capacidade de definir a trajetória do país por meio do seu voto.

Como em toda a eleição majoritária, o desejo da maioria prevalece e cabe a cada cidadão a responsabilidade de colocar no poder alguém que preze pela democracia.

É importante destacar que não basta apenas falar que respeita o regime democrático ou assinar uma carta em prol da democracia, enquanto as ações e propostas governamentais seguem para outro lado e buscam cercear a liberdade. Esse cenário fica muito claro em países que se denominam democráticos, mas não passam de uma ditadura disfarçada, como é o caso da Rússia e da Nicarágua. Uma triste ironia é que a nação com o regime mais fechado e controlado do mundo se chama República Popular Democrática da Coreia.

Assim como no caso dos norte-coreanos, povos de outros países têm em sua Constituição a promessa de democracia, mas, na prática, vivem sob o comando de um tirano e não têm poder de decisão nem mesmo em relação à sua própria vida. Nesse tipo de governo é comum ouvir casos em que a violência foi usada para calar um opositor, situação que não deve ser aceitável em um ambiente democrático, mas, infelizmente, tem chegado até no Brasil.

A luta pela democracia
O brasileiro precisa ter clareza de seu papel na sociedade tanto ao votar quanto ao fiscalizar aqueles que foram eleitos e todos os que exercem algum cargo dentro dos três Poderes que regem o País: Executivo, Legislativo e Judiciário.

“A melhor forma de lutar pela democracia é exercendo-a, ou seja, com o país sendo governado por representantes conscientes e que vão fazer o melhor pela nação. Mas é importante enfatizar que nossa participação no processo democrático não acaba nas eleições. Nós sempre devemos acompanhar as decisões políticas que acontecem em nossa cidade, Estado e País”, comenta o Bispo Alessandro Paschoall, coordenador nacional do Arimateia, grupo mantido pela Universal que tem o objetivo de conscientizar a população sobre a importância de exercer seus direitos.

De fato, o cidadão deve pesquisar bem cada candidato e votar nos que apresentam valores e ideias semelhantes aos seus, afinal, o voto é uma espécie de procuração que o eleitor dá a alguém para agir em seu nome. Assim, cada votante deve se guiar por fatos e propostas e, sempre que possível, conversar com outras pessoas sobre suas escolhas. Afinal, política é o debate de ideias e é desse debate que nascem os bons projetos para um país democrático. Infelizmente, nem sempre a nossa opinião será respeitada. Isso não nos dá o direito de desrespeitar o próximo, mas também não pode ser uma justificativa para nos calarmos frente às injustiças e situações que não condizem com os ideais que defendemos, mesmo que isso implique em punições sociais, como o cancelamento – boicote a pessoas que assumem uma posição que desagrada certo grupo –, que se tornou comum.

“O medo do cancelamento não deve ser uma bússola para o que falamos ou fazemos. Devemos sempre nos guiar pelo bom senso, seja para opinar na internet, seja para debater política ou até mesmo nas conversas com familiares. A nossa liberdade de expressão é assegurada pela Constituição, mas devemos nos lembrar que nenhum direito é absoluto e essa liberdade de expressão não pode colocar em risco a integridade de outra pessoa”, finaliza o Bispo Alessandro.

imagem do author
Colaborador

Cinthia Cardoso / Foto: Getty images