Votei. E agora?

Entenda por que o exercício da cidadania não se encerra com a participação nas eleições

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Em outubro, mais de 155 milhões de eleitores brasileiros tiveram a oportunidade de escolher os prefeitos e os vereadores que vão comandar o Executivo e legislar por quatro anos em suas cidades a partir de 2025.

Participar do pleito exercendo o direito de voto é tido por muitos como a representação máxima da cidadania, já que a grande maioria dos eleitores só se preocupará novamente com política daqui a dois anos, quando serão escolhidos o presidente, os governadores, os senadores e os deputados federais e estaduais. Mas será que ser cidadão se restringe à atitude de votar?

Para Luciano Gomes dos Santos, doutor em teologia e teoria do direito e professor de ciências sociais do Centro Universitário Uniarnaldo, em Belo Horizonte (MG), a cidadania começa antes mesmo das eleições: “independentemente da propaganda que chega e de todo esse processo por meio de sites, redes sociais e dos próprios partidos, é fundamental que o cidadão ou cidadã não fique somente com essa informação virtual, que ele possa visitar o comitê do candidato, que acompanhe alguma sessão e que procure verificar o que esse candidato à reeleição, de fato, fez. Se é um candidato que está lançando sua candidatura pela primeira vez, o cidadão tem que buscar informações além da rede social”.

Quem escolhe o candidato com base somente em suas promessas pode estar comprando gato por lebre. “Isso é, ao mesmo tempo, polêmico e complexo porque hoje o processo eleitoral de campanha também está vinculado a um processo de marketing. Existe, de fato, a criação de uma ilusão. É claro que nem todos os candidatos ou partidos vão se utilizar dessa ferramenta que chamamos de marketing digital, mas, no fundo, o candidato cria um desejo, é como um produto também”, esclarece Santos.

Luiz Fellipe Gonçalves de Carvalho, sociólogo, filósofo, palestrante, escritor e pesquisador do Centro de Pesquisas e Análises Heráclito (CPAH), avalia que é enganoso prometer algo e não cumprir: “sob uma perspectiva ética, prometer sabendo que não será cumprido é algo que poderíamos relacionar ao conceito de ‘estelionato eleitoral’. Kant falava da importância da boa vontade, da moralidade na ação, que enganar com promessas vazias atenta contra essa moralidade, pois desrespeita a confiança pública e o contrato social entre representantes e representados”.

Para ele, embora não exista lei que obrigue o candidato a cumprir o que prometeu, o eleito deveria se sentir obrigado moralmente a cumprir suas promessas. “Há uma relação de confiança e compromisso entre ele e os eleitores. No entanto nem todas as promessas são passíveis de cumprimento por limitações estruturais, legais ou orçamentárias. Nesse sentido, cabe ao candidato ser honesto desde o princípio sobre o que é factível. O voto é apenas um ato inicial de uma longa responsabilidade cívica. O cidadão deve continuar a participar, fiscalizar e cobrar, pois a democracia é um processo contínuo e não se resume a um ato eleitoral”, ressalta.

Essa cobrança pode ser realizada de diversas formas. É possível, por exemplo, falar direto com o gabinete do político eleito via e-mail disponível nos sites das casas legislativas e executivas. Também é possível organizar petições públicas, participar de sessões nas Câmaras Municipais e no Congresso e até mesmo solicitar informações sobre as contas e despesas de cada local.

Se na sua cidade há problemas com escolas, calçadas, limpeza, parques, fornecimento de energia elétrica, abastecimento de água e saneamento básico, por exemplo, lembre-se que os vereadores e prefeitos eleitos neste ano são os responsáveis por esses serviços. Acompanhe o trabalho realizado por eles durante todo o mandato.

Na prática, a maioria absoluta dos eleitores não age dessa forma. “Esse fenômeno pode ser explicado pela herança de um sistema político que por muito tempo não favoreceu a participação popular direta. O processo histórico brasileiro, com longos períodos de regimes autoritários e oligarquias políticas, moldou uma cultura de passividade. Além disso, a falta de educação política gera uma percepção de impotência no cidadão, que muitas vezes não se vê como parte ativa no processo após as eleições”, observa Carvalho.

Santos relata ainda que há algumas constantes que também contribuem para isso presentes na mente do eleitor, como “‘eu fui lá, votar é obrigatório, votei. Agora não preciso mais me envolver, já cumpri o meu papel’. É uma visão negativa também da política, historicamente, que é de corrupção, que é de mentira. Por isso, ainda precisamos continuar trabalhando no sentido de uma formação educacional para superar também esse ponto histórico da falta desse engajamento”, diz. Ele ainda cita a Constituição Federal para que a atitude do cidadão não se restrinja ao voto: “ela fala: todo poder emana do povo. O povo tem não somente o poder para escolher seus representantes, mas para ser colocado em prática uma participação direta ou indireta, para a construção, hoje, do nosso regime, de uma democracia muito mais participativa do que apenas um pequeno grupo, ali, intelectualizado, participando da política ou se mantendo, se perpetuando no poder”.

Seja cidadão de fato

Se você está lendo esta matéria no domingo e mora em uma cidade em que ocorre o segundo turno eleitoral, não deixe de votar. Exercer esse direito é um dever como cidadão e é muito mais do que uma obrigação eleitoral, pois a sua cidadania não termina quando ele deposita seu voto na urna. Seu compromisso como cidadão exige que você cobre e fiscalize quem foi eleito, mesmo que não tenha sido o seu candidato. Disso depende a manutenção da democracia e as melhorias que a sociedade brasileira necessita.

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Colaborador

Eduardo Prestes / Fotos: Marcio Binow Da Silva; TopRated/GettyImages